Era tempo de cartas, muitas cartas. De carteiros e de Correios. De envelopes aéreos, onde se lia à direita, embaixo, par avion. Chique. Quando o correio era internacional, os envelopes tinham as bordas em cores nacionais. Os do Brasil, evidentemente, em verde e amarelo. Os americanos, em azul e vermelho, com uma etiqueta adesiva na frente identificando o remetente. E assim era.
Cobrava-se o valor do envio por peso, a partir do qual eram adquiridos os selos de valores diversos. Eram obras de arte, os selos, e receber uma carta, para os mais jovens, era quase lhe desconhecer os conteúdos e fixar-se no selo. Colecionados meticulosamente por muitos, viraram uma ciência, uma arte, e, de acordo com sua raridade, os valores estratosféricos os transformaram em mercadoria valiosa, como até hoje.
Para diminuir o custo da remessa, escrevia-se em papel fino, quase de seda, cuja transparência dificultava por ocasião as leituras, especialmente quando a carta era escrita à mão, como de hábito, com canetas que vazavam tinta em pontos grossos.
As cartas eram tudo, relatos de viagem, narrativas do cotidiano, notícias de família, boas e más, pedidos, declarações de amores e comunicados de desamores. Sempre a incógnita do envelope que era entregue , conservado na mão, no bolso ou na bolsa, até o momento de abrir, na privacidade do quarto.
Escrevi muitas, desde a infância, com a letra canhestra, declarando amor à mãe e pai nas datas próprias. Depois outras, mais substanciais, residindo fora da minha cidade de origem e avidamente recebendo as cartas de colegas e amigos com atualizações sobre escola, namoros, professores, performances escolares. Durou pouco. O que os olhos não veem o coração não sente, diz o ditado. E foram rareando, na ida e na volta, até cessar.
Muitas outras se sucederiam na vida adulta, de família, amigos, até o advento dos correios eletrônicos. Das comerciais nem quero falar. Quero falar das que não postei. Nem escrevi.
Não te escrevi sobre minhas perdas, não te escrevo sobre minhas lágrimas. Não te escrevi sobre minha decepção, nem sobre o abandono. Não te escrevi sobre meu desamor, nem sobre o desamor que de ti recebi. Não te pedi perdão, nem de ti recebi, até porque não pedira.
Nem escrevi sobre a imensa felicidade, a bliss da qual falava Katherine Mansfield, do dia em que tudo era brilhante e iluminado. Tampouco me sentei para redigir uma justa ode à vida, ao encantamento, à poesia e à beleza.
Não usei o papel fino para dizer que era grato a ti, ao Cosmos e à música. Tampouco tomei da caneta Bic para desejar paz na terra aos homens de boa vontade. Tenho em uma gaveta , acredite, leitor, todas as cartas que recebi na minha vida de 60 anos para cá.
E hoje me dei conta, tardiamente ou não, de que tenho no peito todas as cartas que não enviei. Vou pesá-las, colar todos os selos ainda existentes, e enviá-las, como estou fazendo agora. Nem precisa responder.

OK Carlos! Pode me mandar uma ou terei que lhe mandar o selo?
Quantas V quiser, já seladas.
Carlos, adorei receber essas suas cartas não escritas. Pode me mandar muitas mais.
Parabéns!
Já chegaram?
Que lindo! Lembrei muito da época que morei num internato para meninas cujas mães desejavam que fossem muito bem comportadas no futuro.
A cidade mais perto era Villeneuve, uns 15’ de trem da escola. Todos os dias eu pegava o trem e ia levar cartas à minha avó Berta, você deve lembrar dela. Mãe de minha mãe. Agora, você me deu uma lembrança tão linda. Todo o meu empenho do alto dos meus 13 anos era caprichar no “ Par Avion” que eu coloria o entorno com várias canetinhas coloridas, para assegurar a aterrisagem em mãos seguras! Beijos
Pois é, Lilian. As cartas eram pensadas, caprichadas, e consigo ver essas iluminuras que V colocava no envelope. A alegria já vinha antes de abrir o envelope..,
Só para avisar: sua carta retida chegou, acabei de abrir, grata surpresa! Adorei, Carlos.
Responde quando puder!