Clube dos Escritores 50+Adolfo Leirner Ambulância

A ambulância, conto de Adolfo Leirner

Sou Daniel. Médico socorrista. Médico de urgências. De vidas penduradas no fio invisível do tempo.
Hoje é meu plantão na ambulância. E o céu de São Paulo parece anunciar que também não terá um plantão fácil. Cinzento, zangado. O trânsito na ponte Cidade Jardim não anda. O horizonte guarda um sol trêmulo, lutando para não se afogar na tempestade que se aproxima.

O rádio da ambulância chiando. O limpador de para-brisa em ritmo de metronomo cardíaco. As buzinas, indiferentes, compondo aquela sinfonia caótica que todo socorrista conhece.

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Clube dos Escritores 50+ Eunice Maciel Emojis

PALAVRAS DITAS, ESCRITAS E EMOJIS

ou crônica de corações partidos em tempos de WA

Como se estivesse num palco, a garota de uns vinte anos declamava num monólogo (na verdade um diálogo, mas como a outra falava baixinho, o que chegava aos meus ouvidos era um monólogo) o rompimento com o namorado. Não ficou claro o estopim da briga, provavelmente contado ainda na estação antes do trem chegar, mas ficou claríssimo, em alto e bom som, os desdobramentos que levaram ao fim do relacionamento.

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Clube dos Escritores 50+ Carlos de Castro O canivete e o gol de placa

O canivete e o gol de placa,
crônica de Carlos de Castro

Bom, o que me ocorreu é que o tempo funciona como uma gigantesca onda que nos carrega, queiramos ou não. Somos impotentes para oferecer resistência e, tal qual burro teimoso, ficar empacados, nem que seja por breves instantes. Ou, como o personagem que Chico Buarque criou na linda letra de Valsa Brasileira: “…corria contra o tempo, … rodava as horas pra trás, roubava um pouquinho…”

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Clube dos Escritores 50+ Eunice Maciel Melhores amigas

MELHORES AMIGAS, por Eunice Maciel

O velório era o the end daquele filme meio drama meio horror que elas tiveram que assistir e que escancarava o fato de que a primeira da turma se fora deixando a pergunta no ar: quem será a próxima?

Esticaram o enterro num restaurante em Botafogo antecipando a primeira quarta-feira do mês e, como sempre, botaram a conversa em dia. Impressionante o tanto de novidade que se arruma em trinta dias – nesse caso, em vinte e cinco. Falaram de tudo, menos da Alice, afinal, o assunto já estava mais do que esgotado. Chamava atenção das outras mesas aquelas cinco senhoras trajando preto e branco conversando na maior animação, e foi apenas durante a sobremesa que uma delas traduziu em palavras o pensamento de todas. – Como vai ser quando chegar a nossa hora?

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Clube dos Escritores 50+ Carlos de Castro Corre Cutia/ Imagem gerada por AI

Corre Cutia, por Carlos de Castro

Descobri que a origem do termo vem do tupi “aku’ti” que nomeia o pequeno mamífero roedor. A cutia tem hábitos diurnos e era até criada como animal de estimação pelos indígenas. Quem sabe se a imemorial brincadeira infantil, o corre-cutia, não tem sua raiz na época colonial quando os nativos aculturados viviam junto com os primeiros brasileiros, especialmente com as crianças. Quem sabe?

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Clube dos Escritores 50+ Bettina Lenci A bengala - imagem criada por IA

A bengala, crônica de Bettina Lenci

O mundo inverteu-se! O que era não é mais! Sei que tal conclusão, sendo afirmada com tanta ênfase, ou é idiota ou nasce nas entranhas de uma senhora de idade avançada. Mas, sejamos claros: o que no passado estava na cara, hoje não está mais! Tenho 80 anos e estou perfeitamente apta a viajar e a passar meu cartão de crédito sem ser enganada por algum vendedor espertinho.

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Clube dos Escritores 50+Adolfo Leirner Beneficência

Beneficência
ou quem é você diante da morte?
de Adolfo Leirner

uitos atravessam a vida sem ter contato com a morte. Outros a veem de passagem, quando perdem alguém querido. E há aqueles que convivem com ela cotidianamente. Coveiros, agentes funerários, enfermeiros, médicos: cada um concilia vida e morte à sua maneira. Uns tornam-se duros, outros filósofos, alguns se matam. Vou contar aqui como entrei para “esse grupo”.

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A Testemunha de Jeová, por Lilian Kogan

Por volta dos meus 11 anos, no recreio do ginásio, uma amiga inteligente e persuasiva me chamou de lado e disse: tenho que te mostrar algo que você irá adorar. Era um livrinho de capa azul, em pelica, com arremates dourado. O texto e as ilustrações em papel bem fino e delicado. Lembro da boa sensação ao manuseá-lo. O tema versava sobre o fim do mundo e o surgimento de um novo Paraíso para os que se salvaram. Já na primeira página a ilustração de uma família feliz abraçada no Éden, agora a nova Terra, que dizia: e Deus enxugará tuas lágrimas, e não haverá mais sangue, nem suor, nem dor.

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