Barbie, o filme, por Liliana Wahba

Quando as meninas descobrem que suas bonecas não necessitam ser bebês e olham
admiradas para a gigantesca deusa que surge do Olimpo, lançam as bonecas para o ar
como na primeira cena de 2001: Uma odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Assim, a história da civilização ocidental ampliou o repertório da mulher, não mais restrito à maternidade.

No mundo fantasioso das bonecas Barbie parecia tudo resolvido, o feminismo marcava
seu avanço irrefutável. Mal sabiam que o patriarcado continuaria imperando e
castigando as transgressões, assim como o fazia o Conselho Masculino da Mattel, em
cujas edificações permanecia escondido o fantasma da criadora da famosa boneca,
sabiamente aguardando a promessa de emancipação da mulher.

O fenômeno Barbie movimentou a industrialização e comercialização de brinquedos
de plástico em números extraordinários. Lançada no mercado em 1959, lucrou US$ 1,7
bilhões (R$ 8,2 bilhões) em vendas anuais em 2021. Aliado aos demais produtos deste
material de fácil consumo e utilização, em grande parte de brinquedos, acarretou a
contaminação irreversível da natureza e do organismo de seres vivos, incluindo o
humano.

Haveria no filme a metáfora de mulher plastificada e seu narcisismo. Em alturas inalcançáveis, admirada e idealizada, sem, no entanto, ser tocada, exibe simulações de vínculos circunscritos a circuitos infantilizados. A idade adulta é aparente, as responsabilidades, superficiais.

Ainda que a personagem assuma discursos contemporâneos e feministas, eles
carecem da experiência que lhes dê sustentação. Imersa no ambiente matriarcal
das amigas com as quais se identifica, mantém-se afastada do confronto com o mundo
do poder que tece seu destino.

Enquanto permanece na ilusão tudo lhe é benéfico e prazeroso, até que o outro
mundo, aquele velado pela fantasia escapista, irrompe por necessidade e engole o
platônico e eterno namorado na potência patriarcal. Ken se vê sacudido por aquilo que
os homens exibem, pelo poder. Agora quer também dominar e ser forte; é isso que
fazem os homens, eis o trunfo do patriarcado, até então inexistente na terra das meninas-
mulheres.

A revolta masculina seria de se esperar naquela vila perfeita com casinhas arrumadas
sem lugar para os bonecos homens. Quando se pergunta a Barbie onde dorme Ken
após se despedirem à noite, ela responde ingenuamente que não sabe.

A disputa eclode e é rapidamente resolvida em decorrência da aliança feminina e do
exibicionismo masculino, diferentemente das resoluções no mundo real.

Simbolicamente, cura-se o narcisismo com uma mensagem simples e milenar: seja
você mesmo sem deixar que o outro determine quem você é.

No tênue fio entre dependência e autonomia, entre ilusões e realizações, percorremos
rumos insondáveis. Finalmente, a personagem abandona a fantasia infantil, atravessa
a zona cinza do sofrimento e do desamparo e, quando adquire genitália, nasce, enfim, a
mulher que irá viver as vicissitudes do desejo.

Um comentário

  1. Muito bom, eu fico até sem graça em dizer que gostei do filme. Tanta crítica sem uma análise do que realmente aconteceu com a Barbie, sim, as meninas pararam de “ter que” cuidar dos bebês plastificados para poderem se divertir com a boneca Barbie. Lembro bem qd ganhei a minha. Não é o filme do ano, óbvio, mas tem algo importante aí. Obrigada pela sua análise. Beijos

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