Não passa a dor da mãe sem o filho.
A raiva do inimigo,
não passa.
Não passa a fome do mendigo.
O calafrio do febril,
não passa.
Não passa o medo do escuro.
Não passa a asa da borboleta pelo casulo quebrado.
O poeta morreu,
homenagem a Antônio Cícero
por Paulo Akira
O poeta morreu.
O homem no carro não sabe.
As pedras se reviram.
Quietas, aguardam: pra onde nossos significados?
#históriasparacontarparaosnetos
Alice no País da Alice
Era finalzinho do dia. Recostadas em uma imensa árvore, eu e Alice liamos a história de Alice no País das Maravilhas. Meio sonolentas de tantos afazeres do dia, quase adormecendo, vimos correr na nossa frente o coelho maluco com seu despertador na mão dizendo estar atrasado. Olhamos arregaladas uma para a outra e lá pelas tantas, não sabemos quando, começamos a segui-lo.
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A luz do escuro, conto de José Carlos Peliano
A lâmpada acesa do corredor trazia seus braços até o aconchego da cama de Clarita dando-lhe a proteção diária de todas as noites. Temia o escuro e não dormia de outro jeito, de jeito nenhum, nem lhe oferecendo estórias, de Alice, da Caronchinha, de Saci, da Vaca Vitória, do Peter Pan, nem chocolate quente, televisão sobre a cômoda, um presentinho ou outro, bom de fato, ou sem fato, nada. Nada a demovia do temor de ficar sozinha no escuro da noite em seu quarto, mesmo protegida pelas cobertas ou seus pais, amigos, bichos de pelúcia.
Continuar lendoO túnel, crônica de Lourdes Gutierres
Lembrei-me do plebiscito da Noruega quando soube da construção de um túnel na Vila Mariana. Não há termos de comparação, afinal o que deu errado por aqui? Por que o povo é alijado de decisões que lhe dizem respeito? Penso na Ágora da Grécia antiga, mas isso também é sonhar demais, reconheço. Tapumes encobrindo o canteiro central da avenida Sena Madureira chamaram atenção dos moradores. Afinal o que está acontecendo, um vizinho indagando o outro. Descobre-se que um antigo projeto começou a ser implementado. Em meio à perplexidade, moradores resolvem organizar o protesto: não ao túnel.
Continuar lendoCAZUZA, 7/7/77, crônica de Luciano de Castro
Um editor certa vez me disse que um bom texto começa com um bom título. Eu não sei se será o caso desta crônica (nem pelo título, nem pelo sumo) mas, de todo modo, o nome do artista famoso e a sequência de 4 setes foram empregados deliberadamente como artimanha pra chamar a atenção do leitor. Só que o engodo tem pernas curtas e já preciso revelar que não tratarei de fato extraordinário, envolvendo o roqueiro Cazuza, que tenha a ver com a numerologia do sete. O assunto aqui é pessoal e memorialístico.
Continuar lendoO festival literário e as pedras de Paraty, crônica de Sylvia Loeb
Cheguei em Paraty no segundo dia da FLIP, depois de seis horas de viagem, em um final de tarde chuvoso. As pedras brilhantes, arredondadas por séculos de tráfego de carros de boi, cavalos, burros e carroças causam admiração e temor. O conhecido “pé -de- moleque”, construído no século XVIII, durante o desenvolvimento do ciclo do ouro.
Continuar lendoSetembros, por Carlos Schlesinger
Pois é, esse assunto era para Setembro e já estamos no começo de outubro. Mas tem coisa que permanece na cabeça, até virar texto e não vou dar aos espíritos obsessores o prazer de me fazer esperar 11 meses e três semanas para ser politica e literariamente e correto. Então, nos primórdios de outubro, vou falar do que desejava ter falado em setembro.
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COISINHA ELÉTRICO, por Carlos de Castro
Era um tempo em que tinha mais mato, mais florestas, onde moravam muitos bichos. Tinha até bicho que os homens nem conheciam. É verdade! Era um tempo em que nem todos haviam sido inventados. Alguns bichos estavam em fase de experiência. É, e quando os bichos estão sendo inventados é muito importante que eles arrumem algum jeito para se defender. Uns podem virar uma bola, como o tatu, e também o pequeno tatu-bolinha. Outros tem casco duro como a dona tartaruga.
Continuar lendoUm dia, crônica de Bettina Lenci
O céu violentado de cinza esparramou-se nos meus pulmões, as partículas de violência alojaram-se na garganta e a respiração tornou-se curta. Sim, claro, em uníssono, a razão deste efeito devastador nos terráqueos é divulgada e aceita como suficiente: ninguém se mexe para impedir a queima das florestas! Eu não avisei? Dizem, após a exclamação. Mas por mais que esteja inclinada a colocar minha colher nesse caldo grosso de fuligem, não é este o assunto de hoje, tampouco a sustentabilidade do planeta, nem as ameaças de fim do mundo e menos ainda assumir como humana que a culpa é só minha!
Continuar lendoEU NÃO CONSIGO, por Lilian Kogan
Queria falar sobre o novo ano que se inicia para nós judeus. Procuro dentro de mim fagulhas de esperança para traduzir tudo que carrego na minha genética espiritual. Mas não consigo honrar em mim o júbilo do legado dos meus antepassados porque só encontro dor no lugar que deveria ser de comemoração. Meus olhos querem ver a beleza da tradição do meu povo, que fez da dor um percurso de resistência e resiliência. Mas meu povo sofre e, ao contrário do que muitos imaginam, queremos viver em paz. Paz com os vizinhos do mundo todo. Há humanistas de peso entre nós. Em Israel, conheci alguns que tocaram meu coração para sempre.
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Os Odingás, por Adília Belotti
Os Odingás eram o casal mais velho da tribo. Na verdade, ninguém nunca, nem nas tribos vizinhas, tinha ouvido falar de gente tão velha! Eram tão velhos que as pessoas não sabiam mais quando tinham nascido, só eles lembravam de si mesmos! Nunca tiveram filhos. No início, ficaram muito tristes. Os Odingás amavam as crianças tanto quanto amavam ser adultos para poder cuidar das crianças.
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