Clube dos Escritores 50+ Eunice Maciel Emojis

PALAVRAS DITAS, ESCRITAS E EMOJIS

ou crônica de corações partidos em tempos de WA

Fui ao centro da cidade e voltei, os dois trajetos de metrô. Na viagem de volta, numa das paradas, entraram no vagão em que eu estava duas amigas que, na falta de assentos vagos, seguraram-se na barra que estava bem próxima a mim. Sem que eu pudesse evitar, fui posta a par da vida amorosa de uma delas.

Como se estivesse num palco, a garota de uns vinte anos declamava num monólogo (na verdade um diálogo, mas como a outra falava baixinho, o que chegava aos meus ouvidos era um monólogo) o rompimento com o namorado. Não ficou claro o estopim da briga, provavelmente contado ainda na estação antes do trem chegar, mas ficou claríssimo, em alto e bom som, os desdobramentos que levaram ao fim do relacionamento.

Quieta no meu canto soube – eu e mais um vagão inteiro – que a nossa protagonista, chateada com sei lá o quê que o namorado tinha feito, ligou para conversarem. Ele atendeu rapidamente, não podia falar no momento, e ficou de ligar depois. O “depois” virou quase um dia inteiro e a mocinha se aborreceu com tanto descaso. Mandou, então, segundo ela mesma, uma mensagem de texto quilométrica pelo celular abrindo seu coração, se dizendo pouco valorizada e pedindo que ele lhe telefonasse para conversarem. O rapaz ligou logo depois e dessa vez foi ela quem não pôde atender. Assim que foi possível, retornou a ligação, que caiu na caixa postal. Quem sabe seu namorado estaria no chuveiro, em reunião, no banheiro, na rua, e não ouviu o celular tocar? Mas nada disso passou pela cabeça da jovem que contou para a amiga e para a involuntária plateia que “ele não atendeu porque não quis, só para me chatear”.

A essa altura eu já tinha desistido de ler meu livro e prestava a maior atenção.

A garota, como teria feito uma boa atriz numa novela – mas na verdade em genuíno sofrimento – aumentava o tom de voz, esfregava as mãos e revirava os olhos enquanto contava que, com todo ódio do mundo, pegou seu laptop e escreveu um e-mail decidida a romper definitivamente com o rapaz, outro texto quilométrico que ela, com o celular na mão, fez questão de ler para a amiga, frase por frase. Assim, pude acompanhar a íntegra da despedida patética declamada no palco do vagão, e que terminava com a garantia de que guardava boas lembranças dele, mas não queria mais vê-lo, que ele seguisse sua vida e a esquecesse de vez.

Me surpreendi. Onde estava o motivo de tanta raiva, a razão das mãos nervosas, dos gestos alterados, dos olhos revirados? Me senti uma bobona por ter embarcado em história tão idiota…

Não ouvi o que sua interlocutora tímida perguntou, mas imagino que tenha sido o que eu e meus companheiros de viagem nos perguntávamos:

“E aí?”

— Ele — ela finalizou quase aos prantos — teve a audácia de responder o meu mega e-mail, que eu levei uma hora inteira para escrever, com três figurinhas: um polegar para cima, duas mãos rezando e uma carinha feliz!!! Morreu! Acabou! Isso é jeito de me tratar??!

Como a cortina descendo ao fim da peça, as portas do trem se abriram, e eu desembarquei na minha estação. Entendi o que sentia a jovem que falava alto alheia ao mundo à sua volta. A raiva maior não era pelo fim do namoro. Era pela desproporção. Um texto enorme respondido com três figurinhas??

Fui para casa pensando nas dificuldades que um relacionamento enfrenta em dias de tantas formas e opções de se comunicar. Além de termos que driblar os encontros e desencontros inerentes à vida e ao dia a dia, agora nos equilibramos entre as palavras ditas (ou não, se for uma má hora para atender), as palavras escritas (em longas ou curtas mensagens) e – pecado dos pecados – os emojis, tantas vezes incompreendidos.

De vez em quando fazem falta os bons, descomplicados e verdadeiros “olhos nos olhos”.

Clique aqui para comprar na amazon.com.br

4 comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *