Clube dos Escritores 50+ Lourdes Gutierres Silêncio

Onde se fez o silêncio, por Lourdes Gutierres

Ela parece dormir, mas os dedos das mãos se movimentam de forma ritmada. Observo que nela mudanças ocorrem de maneira rápida. Há pouco tempo, apoiada em meu braço, caminhávamos até o jardim da casa. Por lá, canteiros coloridos: rosas, azaleias; de repente, aparecia algum beija-flor se nutrindo no hibisco – olhe, olhe, que lindo! Breve encantamento, logo sumia sem deixar rastros.

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Clube dos Escritores 50+ Regina Valadares Volto

Às vezes eu volto,
Regina Valadares conversa com o Rio de Janeiro
sobre amores e fantasias

E quando vejo aquela paisagem, parece que vira uma chave dentro de mim. Eu volto. Mudo de alma. Volto. E voltar é muito bom. Mesmo quando não existe mais o que deixei. Mesmo quando não existe mais aquela que partiu. E lá vem aquele sorriso bobo, aquela alegria saltando dos olhos. O Cristo lá longe, o Pão de Açúcar ali e a freada louca do avião…

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Clube dos Escritores 50+Adolfo Leirner Ambulância

A ambulância, conto de Adolfo Leirner

Sou Daniel. Médico socorrista. Médico de urgências. De vidas penduradas no fio invisível do tempo.
Hoje é meu plantão na ambulância. E o céu de São Paulo parece anunciar que também não terá um plantão fácil. Cinzento, zangado. O trânsito na ponte Cidade Jardim não anda. O horizonte guarda um sol trêmulo, lutando para não se afogar na tempestade que se aproxima.

O rádio da ambulância chiando. O limpador de para-brisa em ritmo de metronomo cardíaco. As buzinas, indiferentes, compondo aquela sinfonia caótica que todo socorrista conhece.

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Clube dos Escritores 50+ Eunice Maciel Emojis

PALAVRAS DITAS, ESCRITAS E EMOJIS

ou crônica de corações partidos em tempos de WA

Como se estivesse num palco, a garota de uns vinte anos declamava num monólogo (na verdade um diálogo, mas como a outra falava baixinho, o que chegava aos meus ouvidos era um monólogo) o rompimento com o namorado. Não ficou claro o estopim da briga, provavelmente contado ainda na estação antes do trem chegar, mas ficou claríssimo, em alto e bom som, os desdobramentos que levaram ao fim do relacionamento.

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Clube dos Escritores 50mais José Carlos Peliano O lago que para no ar - Imagem criada por AI

O lago que para no ar

Lá estava, um a mais na procissão de dias, acocorada, cotovelos nos joelhos, mãos apoiando a cabeça, parecia corcova de cupinzeiro, imóvel, olhar fixo, onde? Nem a respiração preguiçosa lhe movia, tampouco o friozinho conseguia tirar dela alguns arrepios, manhãzinha bem cedo, somente ela e alguns quero-queros trocando passos pela beira do lago, encoberto por uma larga e rala cobertura, qual algodão doce.

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Clube dos Escritores 50+Adolfo Leirner Beneficência

Beneficência
ou quem é você diante da morte?
de Adolfo Leirner

uitos atravessam a vida sem ter contato com a morte. Outros a veem de passagem, quando perdem alguém querido. E há aqueles que convivem com ela cotidianamente. Coveiros, agentes funerários, enfermeiros, médicos: cada um concilia vida e morte à sua maneira. Uns tornam-se duros, outros filósofos, alguns se matam. Vou contar aqui como entrei para “esse grupo”.

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