Meu telhado não é de vidro, mas minha janela é. Meus poemas não são de vidro, mas minha inspiração é. O que escrevo vem não sei de onde, qual a dimensão que me envia, onde estão os pensamentos, que energia me leva a correr e anotar o que me chega antes que eu perca o bonde e a esperança de recordar. Do jeito que me veem podem revelar muito ou se perder pedaço a pedaço.
Uma das máximas do máximo poeta Manoel de Barros era algo assim “das grandes coisas ele não sabia, mas das pequenas menos ainda”. Essa reflexão me serve para explicar o que escrevo, nem sobre as grandes coisas, tampouco das pequenas, somente das transitórias. Afinal, o trânsito das histórias que vem e vão, vão e vem e deixam cair em mim algumas delas, às vezes inteiras, outras esgarçadas, ainda outras sem quaisquer sentidos.
O momento é que faz o momento, sem antes, agora e adiante. O momento não tem tempo, é como uma vaga nuvem no céu que se me mostra instantaneamente. Ouso afirmar que os momentos nos fazem, a todos, somos momentosos por isso.
O que dizem do que escrevo me mostra o espelho do que me trouxe o momento. Ou dos momentos se é uma sucessão de poemas, por exemplo. Às vezes surpreso pela interpretação, outras vezes intrigado pelo entendimento, muitas sem comentários e poucas que me olham no espelho, como fosse eu mesmo.
Dado que a inspiração me atropela no trânsito ou fora dele, sigo o trajeto da batida em mim e acompanho o despertar poético. Daí em diante não sou eu que dá o rumo ao texto, mas é esse que me leva adiante com o que minha intuição lavra de minhas jazidas. Minha consciência desperta apenas procura dar cores à literatura porque o resto já vem pronto saído da forma.
Uma poeta apareceu na vidraça numa das poucas vezes em que a interpretação do outro deu às mãos aos meus momentos poéticos. Angélica Torres* leu meu último livro de poemas A Geometria Flutuante das Águas e viu pelas vidraças dos versos e entrelinhas alguns dos momentos que me puseram a escrever. Uma mensagem via Whatsapp curta, mas extensa em significado.
Sua mensagem:
Sobre A geometria flutuante das águas: bom ler um poeta cantar a mulher amada, de carne, coração, desejo. Atenua a melancolia profunda que as faces internas e externas do tetraedro deixam entrever. São vários os versos ou poemas inteiros que me falaram.
“Tampouco os pedestres se dão conta da dor escura que os engole pela cidade.
Sair pelas ruas sem destino, mas atento aos prismas de luz.
De repente eu e o mundo em favorável conjunção.
assinalando nossas perplexidades” **
O livro, devidamente assinalado à minha memória pessoal dos favoritos, não me deixa mentir.
Vou à janela, abro a vidraça, estendo as mãos e abraço Angélica como a mais nova companheira das dimensões líricas que nos fazem fazer e refazer o mundo pela geometria poética.
*poeta e compositora, mora em Brasília
** citações de trechos de poemas do livro
Carlos,
Sua descrição sobre os momentos do pq o escritor é impelido a escrever, sob o prisma multifacetado de um vidro bisotê, – aquele que reflete muitas luzes conforme
a posição da luz,- é memorável.
Obrigada por elucidar-me a respeito!
abço
Minha cara amiga ainda virtual, que espero desvirtuar tão logo, não há que agradecer, pois aprendemos uns com os outros e conosco mesmo. De repente somos espelhos de tantos outros e não somos mais genuínos! Mas valeu seu retorno que será mais um dos espelhos que me fazem!
Carlos, eu já li três vezes seu poema. Estaciono, por um tempo, sobre a palavra transitória. Que coisa linda, que libertação é o transitório que, penso eu, sua dimensão tocada pela poesia por lá habita, para nossa sorte. ganhamos todos, obrigada. Quero ler teu livro!
Beijos
Desculpe o atraso transitório Lilian. Eu que agradeço suas palavras. Elas animam a continuar no transitivo do transitório. Você pode ter meu livro pelo Clube que te passa meu WhatsApp. Abraço.