Plantei uma quaresmeira na calçada
Daquelas que produzem flores roxas
Cuidei dela, reguei, adubei, disse-lhe palavras carinhosas
Ela cresceu, ficou bonita, bem copada, de folhas verdosas e pontudas
Ela floresceu, encheu-se de flores sedosas e graúdas
E quando estava assim: bem crescida, bem frondosa e bem florida
Veio o funcionário da prefeitura para cumprir a sentença
A ordem era decepar os galhos, arrancar as folhas, profanar as flores
Eu não vi a cena. Se visse, por certo, não permitiria
Mas consigo imaginar o sofrimento dela quando a motosserra nervosa rugia
Decepando-lhe os galhos, arrancando-lhe as folhas, profanando-lhe as flores
É que precisavam colocar uma placa de trânsito na minha rua
E o lugar tecnicamente calculado foi justo o meio da copa da quaresmeira
Quem mandou ficar tão crescida, a ponto de atrapalhar os carros?
Quem mandou ficar tão insolente, a ponto de açambarcar o passeio?
Vendo-me indignado, meu vizinho, um bloco de concreto, esbravejou:
No pragmatismo da urbe, não cabe ter dó de planta, sentimentalismo banal
Na sociedade moderna, mobilidade é tudo e uma placa de trânsito é fundamental
Muito mais útil pra cidade do que árvore, folha, boniteza e flor
Muito mais necessária pro cidadão do que sombra, oxigênio e passarinho cantor.
*Luciano Alberto de Castro
Goiânia 24/10/2021 (Dia em que Goiânia comemora 88 anos)
Ai, que dor!!!! Mais uma que morreu pra não atrapalhar o trânsito. Não adiantou adubar, regar, cuidar, adular. Acabou no chão como um pedaço morto, partido aos pedaços. Não foi um tufão, foi a motosserra urbana, violenta e cega. Acabaram com as espatódeas da minha rua. Um réquiem para sua linda quaresmeira, Luciano.
De cortar o coração.