blog Clube dos Escritores 50+ Clemari Marques Cantigas

Cantigas de adormecer-envelhecer,
por Clemari Marques

O ano é novo no calendário
A vida é a mesma de todo dia.
Com um único, porém,
Fica estabelecido que no primeiro dia de uma nova folha da agenda
As promessas são refeitas
Sempre com o firme propósito de serem cumpridas ( no primeiro dia, porque depois vão
esfumaçando até sumirem no dia último)
Os sonhos são renovados
Os projetos redefinidos ( ou não)
Só porque muda o ano nos calendários
Muda alguma coisa na vida real?
A vida não muda com o calendário
Muda se seus olhos mudarem o jeito de olhar
Se seus olhos enxergarem a vida de um novo jeito
A virada do ano pode ser uma oportunidade para fechar os olhos para fora
E abrir para dentro.
E enxergar seu coração.
Pulsante
Vermelho
Quente
E abrir novamente no minuto seguinte
Para novas possibilidades
Fácil assim?
Fácil não é
Mas é possível.
Enquanto você puder decidir entre o querer e o não querer
Aproveite
Porque só será realmente impossível
Quando seus olhos se fecharem para nunca mais
E o minuto seguinte, nunca mais será.

Que estrela é esta
Ao lado da Lua?
Tão grande, tão brilhante,
Que intimida.
A mim,
Não a Lua.
Fica me olhando o tempo todo,
Esteja eu onde estiver.
Olho para o céu e ela está lá
A me seguir.
E eu, sempre só,
Aprecio a sua companhia
E entendo aquele brilho tão intenso, é de tristeza
Por estar tão perto e tão longe da Lua.
Tento falar com ela,
Para que também sinta que tem companhia
Quem sabe ela entende pensamentos, sentimentos, olhares distantes…
Mas se me entende, não responde.
Paira plena diante da minha incompletude,
Porque também incompleta está.

Ele com cabelos grisalhos
Óculos para vista cansada
Barriga avantajada
Retrato de anos de cerveja, amor pela culinária e, talvez
De engolir sapos.
Ela com os brancos cabelos tingidos
Óculos com lentes grossas,
Para enxergar melhor os descaminhos da vida.
Seios fartos e barriga acumulada, de várias gestações,
De muito destempero, ou tempero.
E também grande desejo pela magia dos sabores
Ambos com amor pelo saber
Mas muito provavelmente,
Sem saber muito bem
O sabor do prazer, esquecido no tempo.
Os dois com lábios murchos
E dentes amarelados pelo tempo.
Não é um belo quadro,
Descrito assim secamente,
Se pensarmos
No sentido estético do frescor da juventude.
Teria a velhice também lá suas belezas?
Provável…
Talvez aquele papo de beleza interior,
Ou olhos de ver, sem enxergar.
E é aí, que se dá o inesperado:
Um sorriu para o outro
E fez-se uma nova luz inexplicável, pela teoria da eletricidade.
Fez-se a luz do ocaso,

Da premência.
Tão doce e intensa
Como aquela de quando tudo começou.
Quando deus sentenciou :
“Fiat lux”
E tudo aconteceu do nada.
Só de uma fagulha de luz.
Esta, era a luz da sobrevida,
Da derradeira possibilidade.
A possibilidade de evitar arrependimentos.
E, do nada, ambos reacenderam.
Mesmo que por um breve tempo.
E sonharam com o futuro
Um futuro brilhante,
Cheio de possibilidades,
Contidas numa fração de segundo.
No aqui e agora.

Olho fixamente para o horizonte poético do pôr de sol
Fotografo cada detalhe do Belo que vem a mim
Ou busco os de repentes das surpresas do universo
Quero fixar a parte Bela da vida
Até o último olhar
Suspiro
Quero fechar os olhos pela última vez
Vendo estrelas
E mar
E por de sol
E nascer da Lua
Mesmo que seja apenas no imaginar
Do último suspiro.

Já dormi em todo tipo de lugar
Em esteiras no chão do terraço encalorado da praia
Em poltrona individual de um congelante trem noturno para Lisboa
Em rede no navio gaiola que desce os rios do Brasil
Em ônibus interestadual de Washington para NY
Já dormi acampada na praia e acordei com a maré cheia invadindo meu colchonete
Em acampamentos no meio da floresta com medo de bichos selvagens
Já dormi em camas king size de hotéis cinco estrelas, com lençóis de cetim
Em camas de lona baratas, em hostels cheios de baratas
Em cadeira de praia contando estrelas no céu
Em boias procurando estrelas do mar
No banco de trás do carro encalhado na areia
Na carroceria de caminhão pegando carona…
Nunca fui daquelas pessoas apegadas à cama…
Nunca fui apegada ao lugar de voltar
Nunca tive porto seguro
Mas sei que um dia acabarei encontrando meu leito final
Onde descansarei em um leito eterno
Depois de viver toda uma vida
Procurando meu lugar.

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